Novo Renault tem porte de utilitário, enquanto Citroën usa disfarce lameiro
Diogo de Oliveira // Fotos: Guilber Hidaka
Colocamos frente a frente as versões intermediárias de Duster e AirCross, com preços na faixa dos R$ 60 mil
Quando o mercado brasileiro foi aberto aos importados, no início
dos anos 90, ter um utilitário esportivo na garagem era “coisa de
rico”. Além de poucos, esses modelos eram grandes e custavam uma
fortuna. Daí o Ford EcoSport
ter revolucionado o segmento em 2003. Foi o primeiro compacto do gênero
e acessível, especialmente à classe média. Só que, de lá para cá, quase
uma década se passou. E agora a competição acirrou: primeiro veio o Citrën AirCross, em agosto de 2010, depois o Renault Duster, em outubro de 2011.
Essa “dupla” das arquirrivais francesas tem feito estragos. No ano passado, o AirCross somou 16.717 unidades – sem contar as quase 5.000 vendas da minivan C3 Picasso, a versão sem o traje aventureiro. E o Duster precisou de apenas dois meses “cheios” (novembro/dezembro) para passar o EcoSport: o modelo anotou média mensal de 3,7 mil unidades e somou 9.388 emplacamentos em três meses. Com esse volume, o Renault passaria com folga as 38.530 unidades somadas pelo velho Eco, que está prestes a mudar
Estepe na traseira deixa o AirCross com visual sugestivo; com maior vão livre, Duster tem capacidade off-road
Mas o que tem feito do Duster um sucesso de vendas maior que o AirCross até aqui? Sem dúvida, as formas. Enquanto o Citroën é uma minivan disfarçada de jipinho (com estepe pendurado na traseira), o Renault
tem porte e traços de utilitário. E essa sensação não é apenas visual:
basta acessar o interior dos modelos e as diferenças ficam ainda mais
nítidas. O Duster é mais alto em relação ao solo, e mais robusto. Apesar do visual lameiro, o AirCross é claramente voltado ao conforto e à estética.
Trocando em miúdos, o Renault, por mais “compacto” que seja, é um utilitário esportivo na essência. E o Citroën
é uma minivan declarada, com interior verticalizado, para-brisa
tripartido e até o retrovisor extra para vigiar a criançada no banco de
trás. Não fosse os adereços fora-de-estrada, o AirCross
nem seria apontado como utilitário. Mas os penduricalhos estão lá e,
para esse tira-teima, selecionamos as versões intermediárias dos dois
modelos, com preços emparelhados na faixa dos R$ 60 mil. Quem ganha?
Painel do AirCross transmite maior refino, mas versão avaliada (GLX 1.6 flex) não tem o ar-condicionado digital
Acabamento chique x Jeito "durão" de ser
No lançamento do AirCross, em 2010, a Citroën
fez questão de ressaltar a qualidade superior dos materiais que cobrem o
interior do “jipinho”. Na época, a intenção foi cutucar o EcoSport, cujos revestimentos sempre foram muito criticados por serem equivalentes ao do popular Fiesta, do qual deriva. E é preciso reconhecer: de fato o AirCross está um nível acima do Ford em acabamento. Os materiais são indiscutivelmente mais sedutores, com texturas agradáveis e detalhes metálicos.
No Duster, a vida a bordo tem menos requinte. O ambiente é bem despojado, até mais que o desejável – como no veterano Eco. A sensação é de estar a bordo do sedã Logan ou do hatch Sandero, modelos de baixo custo feitos sobre a plataforma B0 (zero), também usada pelo utilitário. Na prática, o Renault
tem acabamento de carro compacto, com todo o interior coberto por peças
plásticas de aspecto simples. Até há materiais de textura mais
agradável, mas de modo geral o acabamento decepciona.
Lembrou da dupla Sandero/Logan? Pois é, acabamento mais simples do Duster lembra interior dos populares
Nuances da vida a bordo
Mas o Duster
tem outros predicados. O maior deles é o espaço interno muito amplo e a
ótima quantidade de porta-objetos. Os nichos são mais bem distribuídos
que no AirCross, que não oferece porta-copos na região
central do painel – o porta-luvas refrigerado tenta compensar isso com
os nichos dos bolsões das portas. No Renault, não há o
espelhinho para monitorar a criançada atrás, mas o teto traz um
funcional porta-objetos que só peca por não ter base mais bem revestida –
não dá para guardar um óculos ali.
No Citroën,
o grande diferencial (além do acabamento) é o para-brisa tripartido,
que oferece visão panorâmica da dianteira. O quadro de instrumentos
também merece destaque, com melhor visualização das informações que no Duster. Além de a iluminação no painel ser fraca, o Renault usa o mesmo (e insosso) visor de fundo laranja da dupla Logan/Sandero para informar temperatura do óleo do motor, dados do computador de bordo, hodômetro e a quantidade de combustível no tanque.
Um dos maiores atributos do Duster é o espaço interno; há sobras para pernas e cabeças e três adultos vão bem
AirCross também é generoso no espaço (sobretudo o vertical), mas largura é menor; mesinhas são opcionais
O custo e o real benefício
De forma geral, o AirCross tende a convencer mais que o Duster quando a questão é o preço. Isso porque o Citroën tem um interior bem mais envolvente. Contudo, se olharmos as listas de série, o Renault abre vantagem, mesmo sendo menos sofisticado que o rival – há itens no AirCross que nem sequer são oferecidos no Duster, como airbags laterais e sensores de chuva e luminosidade. Assim como Logan e Sandero, o Renault aposta numa melhor “relação custo-benefício”. A lista de equipamentos instalados é mais completa.
Na versão intermediária (uma das mais requisitadas nas lojas), o Duster Dynamique 1.6 flex
parte de R$ 57.800 e vem praticamente completo – apenas pintura
metálica e revestimento em couro são pagos à parte. O preço completo
atinge R$ 60.490 e inclui, ar-condicionado, direção hidráulica, rodas de
liga leve aro 16, “trio” elétrico, alarme, rádio/CD/MP3 com Bluetooth,
entradas USB e auxiliar e comandos no volante, airbags frontais, freios
com ABS e ajustes de altura para banco do motorista e coluna de direção.
Porta-malas do Duster impressiona: são volumosos 475 litros com os bancos traseiros na posição normal
Embora também seja espaçoso (403 litros), porta-malas do AirCross é razoavelmente menor que o do Renault
No AirCross GLX 1.6 flex,
vendido a R$ 56.850, a relação de itens agrada, mas é menos recheada
que no rival. Os airbags frontais, por exemplo, são opcionais junto com a
pintura metálica. E os freios com ABS sequer são oferecidos na versão. O
rádio/CD/MP3 tem comandos na coluna de direção (como no Duster), mas
não oferece conexões Bluetooth e USB (há apenas entrada auxiliar). Um
ponto positivo é a função um toque para comando elétrico do vidro do
motorista – no Reneult não há essa função.
Quer dizer, no fim das contas, o Duster leva vantagem sobre o AirCross. Completos, os modelos têm preços emparelhados: R$ 59.340 e R$ 60.490, respectivamente. E, embora fique R$ 1.150 mais caro, o Renault traz de fábrica freios com ABS, cobertura de couro nos bancos e alarme, só para citar três itens interessantes. A vantagem do Citroën
passa a ser o acabamento superior e o para-brisa panorâmico, que deixam
o ambiente sofisticado. Ambos oferecem garantia de fábrica de três
anos.
Duster tem âgulos de 30° (entrada) e 35° (saída) para encarar obstáculos off-road; tração 4X4 só na versão top
Nem economia, nem desempenho
As diferenças entre AirCross e Duster até aqui se mostraram grandes, mas na pista os modelos foram similares, com ligeira vantagem para o utilitário da Renault. Comparando os números de teste, o Duster só perdeu para o rival da Citroën
na retomada de 40 km/h a 80 km/h em 3ª marcha: 8,1 segundos, contra 8,5
segundos. A explicação está no escalonamento mais curto das relações do
câmbio do AirCross, desenvolvido assim para amenizar a falta de vigor do motor 1.6 flex (113 cv) diante dos 1.390 kg do modelo.
Na aceleração de 0 a 100 km/h, o Duster marcou 13,3 segundos contra os 14 segundos (cravados) do AirCross. E, no teste de frenagem, houve empate técnico: o Renault precisou de 27,2 metros para frear totalmente a 80 km/h, enquanto o Citroën parou por completo após 27,4 metros. Essa ligeira superioridade do Duster,
porém, não é tão perceptível no dia a dia. Ambos usam motor 1.6 flex
com potência e torque próximos, e consequentemente têm desempenhos
parecidos – nenhum dos dois empolgantes.
AirCross tem suspensão elevada e pneus todo-terreno, mas capacidade fora-de-estrada é meramente estética
A maior diferença entre Duster e AirCross está no comportamento dinâmico. Apesar de mais alto, o Renault
tem bitolas maiores e um ajuste bem acertado da suspensão, que é macia
na medida certa, sem afetar o equilíbrio em retas e curvas. O Citroën
também agrada ao volante e transmite segurança, mas apela mais para o
conforto, com a direção mais leve. No dia a dia da vida urbana, o AirCross é mais fácil de ser manobrado, mas em velocidades maiores o Duster transmite maior firmeza sobre o asfalto.
E se a intenção é fazer um passeio fora-de-estrada, aí temos um abismo entre os modelos. O Citroën tem a suspensão mais dura e não oferece capacidade para rodar com desenvoltura em lamaçais. Já o Renault
tem boa altura do solo e razoáveis ângulos de entrada (30°) e saída
(35°), que permitem alguma diversão. De qualquer maneira, esse passeio é
reservado à versão Dynamique 4x4, que usa motor mais forte (o 2.0 flex de 142 cv com etanol) e possui tração integral (4WD) para os momentos mais “selvagens”.
Apesar do (convincente) visual fora-de-estrada, um dos destaques no AirCross é o para-brisas panorâmico
Com bitolas mais largas e suspensão melhor calibrada, Duster é mais bem postado no asfalto e na terra
Moral da história
Confesso que me decepcionei um pouco quando entrei pela primeira vez no Duster.
Por R$ 60 mil, esperava um nível de acabamento mais condizente com a
faixa de preço. Contudo, apesar de entregar o requinte que falta ao
rival da Renault, o Citroën AirCross peca na relação custo/benefício, deixando importantes itens fora da lista (como o ABS). E, acima de tudo, pesa a favor do Duster
o verdadeiro porte de utilitário. Por mais que o modelo seja parte de
uma família de veículos de baixo custo, sua estatura se impõe sobre o
jeito de minivan do AirCross.
Renault Duster levou a melhor por entregar uma real capacidade off-road, mesmo na versão com tração 4X2
Visual aventureiro do AirCross impressiona, mas se resume à estética: modelo é familiar e voltado ao conforto
Diogo de Oliveira // Fotos: Guilber Hidaka
Citroën AirCross GLX 1.6 flex | Renault Duster Dynamique 1.6 flex | |
Preço inicial | R$ 56.850 | R$ 57.800 |
Motor | Dianteiro, quatro cilindros, 16 válvulas, comando duplo, injeção eletrônica, gasolina e álcool | Dianteiro, quatro cilindros, 16 válvulas, comando duplo, injeção eletrônica, gasolina e álcool |
Cilindrada | 1.587 cm³ | 1.598 cm³ |
Potência | 110/113 cv a 5.800 rpm | 110/115 cv a 5.750 rpm |
Torque | 14,5 kgfm 4.000 rpm e 15,8 kgfm a 4.500 rpm | 15,1/15,5 kgfm a 3.750 rpm |
Transmissão | Manual de cinco velocidades | Manual de cinco velocidades |
Dimensões | 4,28 m (comprimento); 1,72 m (largura); 1,69 m (altura); 2,54 m (entre-eixos) | 4,31 m (comprimento); 1,82 m (largura); 1,69 m (altura); 2,67 m (entre-eixos) |
Freios | Discos ventilados na frente e tambores atrás | Discos ventilados na frente e tambores atrás |
Suspensão | Na dianteira, independente, McPherson/na traseira, eixo de torção | Na dianteira, independente, McPherson/na traseira, eixo de torção |
Tanque | 55 litros | 50 litros |
Porta-malas | 403 litros (Citroën) | 475 litros (Renault) |
Preço da versão avaliada | R$ 59.340 | R$ 60.490 |
Números de testes | ||
Aceleração 0 a 100 km/h | 14 segundos | 13,3 segundos |
Retomada 40 a 80 km/h (3ª marcha) | 8,1 segundos | 8,5 segundos |
Consumo urbano | 6,1 km/l | 6,4 km/l |
Consumo rodoviário | 7,7 km/l | 8,1 km/l |
Consumo médio | 6,9 km/l | 7,2 km/l |
Fonte: revistaautoesporte
Disponível no(a): http://revistaautoesporte.globo.com/
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